A MONTANHA RUSSA E O TEMPO

Acordou inchada, no impulso do compromisso. Enquanto lá fora adolescentes passeavam de biquíni ou jovens descansavam da farra, largava-se no banheiro frio sob a água morna. Fazia um dia lindo, mas nem conseguira contemplar a cor do sol.

Ao espelho, vestida como se fosse ver a rua, fez uma oração. Parece que estava adivinhando que uma manhã sem fim começava a se desfazer.

Foi se perdendo entre as dúvidas e o cansaço. Tinha que dominar-se nos detalhes, nas correções e no insuportável computador. Não se conteve e abriu um sorriso interesseiro, ironizando as coisas ainda por fazer. "Você não vai me vencer, tempo" bradou, inocente da sua falência.

Ela continuava montando um quebra-cabeça ora com sentido, ora sem encaixe. Mesmo assim as pessoas iam e vinham. "Você não vai me vencer, tempo?"

Até que não aguentou e entregou os pontos: "O que faço?", "como faço?", "por que tem que fazer?"... tinha que responder a todas as perguntas, mesmo se não tinha respostas para si. Dor de cabeça, estresse, uma multa inesperada e injusta. Saudade. Fim de semana ou fim de mundo?

Ao meio-dia queria almoçar logo para poder dizer que a manhã acabou, mas todas aquelas ligações atribuladas não a deixavam engolir direito. Por isso que resolveu dormir minutos milagrosos de paz.

Não era desejo de suicídio, mas bem que aquela sensação poderia durar para sempre. Conversou com o despertador e se deu conta que se relacionava mais com as máquinas do que com os seres humanos. Chorou por dentro até se convencer que precisava esvaziar-se para sorrir. Foi aí que todos os parágrafos anteriores foram se transformando em lágrimas duras.

Percebeu, finalmente, a beleza do dia e o reflexo na janela. Até a saudade ficou leve, mas parecia não correspondida. Estava numa montanha russa.

Cansada, cerrou sua saudade e travou-se mais uma vez. Reescolheu a solidão na esperança inútil de controlar o sofrimento. Não era desistência, era a única coisa a fazer para que a saudade traiçoeira se dissipasse no tempo.

"Você me venceu, tempo". Mas ela sempre sorri.

Nenhum comentário: