PÉ DE OUVIDO
Um tema te persegue tanto que você começa a entrar numa paranóia.
O fato é que, querendo ou não, felizmente vai te provocar uma reflexão.



O tema era sexualidade: primeiro amor, primeiro namoradinho... A lembrança do quanto significou a respiração acidental no pé do ouvido. Pé de ouvido num contexto é cruel. Frio na barriga e nocaute.

Pensando nisso tudo, me vejo em frente à placa da cartomante do beco. Frases feitas a quinze reais. Não. Acredito não. Mas curiosidade sempre foi o meu fraco.
Confesso que cogitei com graça a possibilidade de procurar pela dona, de certo gorda, com vestido coloridíssimo e dentes de ouro, com tudo que a minha liberdade de idealizadora do personagem permite.

Entraria no beco, a me equilibrar pelas poças ora de água, ora de algo mais do que isso.
Perguntaria umas três vezes onde ficava "D. Alzira".
Por fim encontraria a porta entreaberta, cheiro de parede molhada.
Lá estaria ela, sentada num sofá forrado com colcha de franjas na borda, estampado em vermelho e florzinhas amarelas. Sorrindo-não-sorrindo, misturando as cartas de uma mão para a outra sem parar.
Eu tímida, como raro.

- Pode entrar, minha filha. Então? O que a senhorita quer saber?

O que eu quero saber?
Não! Definitivamente não daria certo!
É melhor gastar o dinheiro na praia.

Bom mesmo é constatar que quando eu penso que a vida se foi, ela volta com golpe baixo e me fala algo bem aqui, no pé do meu ouvido.

- Foi engano, D. Alzira. Obrigada!

Valeu pelos cheiros de ervas, as franjas e as estampas, as cartas e os búzios, as cores do beco e a timidez.

Ô Gabriel, você tem razão quando diz que sou uma sapeca apaixonada pela vida.

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