NOVELA É MUITO MELHOR NA VIDA REAL

Andar de ônibus é um laboratório. Pesquisas e criação de personagens. É uma delícia... Um tique-nervoso, um grito, a bolsa colorida ou a queda... vida, muita vida cíclica que fala, lê, pensa. Além do encantamento proporcionado pelo outro lado da janela! Conheci muitas cidades assim, entrando num e só saindo no fim de linha. Depois pega outro no sentido contrário e nunca se volta pro mesmo lugar, assim como não se volta pro mesmo rio...

Foi assim em Frankfurt, quando a menina de sainha de pregas, gravatinha e camisa suja de caneta estourada olhava o nada. Subiu cabisbaixa. Tinha a impressão de ver um nó lá no seu pescoço. Entrei nesse ônibus por acaso - na verdade não era ônibus, era TRAM, esses bondinhos que andam nos trilhos. Isso que me dava mais segurança, já que me lembrar os pontos de referência em alemão ficaria um pouco difícil. Era simples. Entra, vai até o fim, depois volta.

Alguns pontos e a protagonista da vez desce a procurar, a olhar o relógio, a abaixar a cabeça e agir como quem disfarça uma desilusão eterna. Eu bem que tentara encontrar um outro personagem à altura, mas a figura delicada e misteriosa não saía de minha mente. E entre me perder nos funcionários da prefeitura que enfeitavam as ruas para o Natal e nas lâmpadas queimadas na íris acinzentada da estudante, eu divagava...

O motorista me olhou com cara de interrogação quando cheguei no "fim de linha" e simplesmente aguardei o seu retorno. Era a sem destino! Sem destino, não. Meu destino era aquele, mas já tava na minha hora de voltar... Voltemos então, "falou" por sobre os ombros... E continuou o meu filme: era ela! o mesmo uniforme, o mesmo caderno com uma foto de não-sei-quem, o mesmo olhar. Dessa vez ela ouvia! ouvia um jovem negro, magro, olhar desesperado. Parecia se explicar pela quantidade de gestos exagerados e direcionados. Ela ouvia! Eu só via... Queria ouvir... Não pensei duas vezes.

Ouvir uma trágica poesia alemã recitada em dueto. Casais e suas quase inevitáveis brigas insignificantes têm uma linguagem padrão, universal. Ele se foi, chorando. Ela ficou, chorando. Eu quase chorando junto. Já não dava mais pra me esconder por trás dos óculos escuros. Tirei os óculos e (coincidentemente?) olhares se encontram. Susto. Fuga. Sorrisos. TRAM. Entrada. Adeus. A mudez como abismo - ou ponte - entre idiomas. O outro lado da janela não existe mais. Ou só ele que existe... Segue seu rumo que o outro chora suas lágrimas do outro lado do mundo.

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