O AMOR E O TEMPO

Seu Pietro é uma dessas pessoas iluminadas que cruzam o seu caminho e você não sabe porquê. Ele e sua gravata encardida eram puro contraste. Um sorriso de 2 anos de idade num olhar sábio de seus 72.

Ao perguntar-lhe as horas, percebi que ali encontrava-se um infinito de sabedoria, incutida de tristeza. Uma vontade de sorrir e seus lábios chorosos se confundiam com a leve voz: "doze e trinta e oito". Agradeci, mas alguma coisa me intrigava naquele conjunto de sensações enrugadas.

Eu lia em italiano, quando fui interpelada pela mesma voz intrigante. Suas mãos trêmulas tocavam as minhas, falando muito mais que os seus lábios finos: "parli italiano?".

E assim fomos os dois, eu e seu Pietro, divagando sobre o meu italiano meia boca e o seu passado toscano. Hoje seu Pietro recebera a notícia da morte do seu irmão mais novo. Chorava ao me contar histórias de quando eram jovens. Eu, conhecendo a sua história, revisava a minha. "O tempo só é justo conosco se somos transparentes com ele", me disse.

Não entendi logo. Então me contou como se sentia indigno de estar vivo, enquanto seu irmão se foi. Tinha escrito uma carta, pedindo perdão a seu Pietro, que até então recusava-se a responder. Desceu do ônibus sem me contar detalhes: "o amor, filha minha... também o amor existe, mas não funciona se não o vivemos de maneira transparente".

E partiu. Seu Pietro, o tempo e o amor pelo seu irmão. E ficamos. Eu, o tempo e o amor por seu Pietro. Concluí que emoção e razão existem para que o amor e o tempo se completem. Mesmo que eu não os entenda! Ainda assim, mais vale a lágrima no papel amarelado...

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