(de diários...) DEZEMBRO EM CRAVOLÂNDIA

Intro

Cidade do Cravo. Do Mário Cravo!

Embora tenha visto muitas flores, cravo mesmo não vi por aqui... Ipês multicoloridos, flamboyants, graxeiras vermelhas, mais vermelhas e alaranjadas, acácias em amarelo resplandecente que eram o sol da pracinha... todas de braços abertos numa recepção realmente florida!

Cravolândia é uma cidadezinha pra lá de pacata, sem grandes elites e frescuras, com uma brisa ao entardecer de deixar qualquer um com vontade de rede e sono tranqüilo. Ocorre que entre conhecer gente, o prefeito, seu povo e até os da foto, meu sono atrasado há meses se desapercebera de mais esse protocolo.

Há 41 anos o então município de Santa Inês era praticamente um latifúndio artístico. Uma enorme fazenda escondia não escondendo o nosso (os cravolandenses que me permitam!) arquiteto Mário Cravo. Roça, termo carinhoso e fruto mesmo de um vocabulário próprio do interior, não se aplica de maneira alguma a esse caso. A "fazendinha" era provida de nada mais nada menos que um cinema! O Cine Cravo.

O nome Cravo foi prodigiosamente se perpetuando por entre as senhorias do logradouro, tomando forma, conquistando os vassalos da época. Até que em 1962 a cidade em formato de letra "ele" foi emancipada. Livre de Santa Inês poderia ter, portanto, o nome que "lhe" viesse. Veio à tona o poder do nosso artista: CRAVOLÂNDIA. "Não, eles não queriam dizer 'Cidade dos Cravos', nem das flores. Apenas uniram o nome do pai ao da mãe, que se chamava... que se chamava... esqueci". Sei, sei...

Conversa vai, conversa vem e Cravolândia pra mim é um universo. Há 200 metros está a igrejinha, há menos ainda o clube. Tem-se a impressão de, olhando da esquerda pra direita, enxergar o início e o fim da cidade. E é quase isso. Só que "aqui tem muita fazendona. A zona rural é enorme pra lá... Produtor de abacaxi, feijão, soja. Até cacau por aqui já começou a ter."

E você conhece o Café Cravo? Pois é, cravolandense, filho 'do homem'. Houve um tempo em que por aqui dava muito café. Tudo mais cedo ou mais tarde acaba precedido por um houve um tempo. A ironia dos ponteiros da vida que riem-se de nós a pensar, enquanto passa: vamos mostrar a esses homens de poder quem é soberano e vassalo!


Primeiro dia

Bem servida por gente simples, hospedada na casa do prefeito, ía mesmo adentrando a vida popular cravolandense. Acabei por surpreender (?) as figuras da sala de TV que mais parecia acolher o povo inteirinho da cidade que não tem televisão em casa. Sem cerimônias passei por eles e: "boa noite!". Foi o suficiente para que a televisão me concedesse todo o seu poder hipnotizante. Socorro, eles olham e olham!!! Acelerei o passo. Aquilo me intrigou um pouco por muitos minutos.
Sentei-me. Tranqüilidade reconquistada, pulmões novamente cheios de ar. O meio-fio macio de Cravolândia... Mas lá vem um deles, ai meu Deus!!! Com um banco na mão. Gaguejou umas sílabas e então: "o banco... trouxe pra você, cantora!” (Eu hein!) "precisa não, brigada!" (sorrir depois dessa negação adianta?). Voltou pra sala perplexo. Pela janela todos os olhos tentam disfarçar, mas a verdade é que se viram, um por um para checar: a cantora extraterrestre que senta no chão. Ou apenas o termo cantora lhes bastasse... E eu me sentindo tudo: visitante, pesquisadora, jornalista, parente, assessora de eventos, até cravolandense; menos cantora!


Segundo dia

No meio do ensaio, enquanto corria de um lado pro outro à procura da letra de uma música pela vizinhança, guiada pela linda menininha, Marianne, de 11 aninhos, vi uma estrela cadente. Pedia a Deus que nunca me abandonasse. Como se isso fosse preciso, mas vai entender as necessidades humanas... Ele foi fazer-nos complexos assim, agora que agüente!

Depois de ensaio e céu cheio de estrelas, de passos lentos no meio da rua, de cantar ao relento, de equilibrar-me por entre os paralelepípedos desnivelados, de bolo de baunilha e bate-papo com o prefeito, vou à janela do quarto que me acolhia em busca do céu novamente. Decepção. Nenhuma estrela. Todas elas se exibindo no lado para o qual dava a janela do político. Não é possível que até o céu seja injusto com as mazelas dos assalariados!
Minhas esperanças... e lá estava ela, saindo ao fundo de uma nuvem que se movia. Nunca mais a tinha visto. O nome não sei. Acho que é um planeta, mas estrela me basta. O amor simplifica a denominação de tudo!

Sei que acordei com a sensação de companhia constante. Esfrego os olhos, me viro um pouquinho e aaaahhhh!! Lá estava ela, tomando conta de mim. Segurando o amanhecer como se pensasse: depois que ela me der bom dia vou-me embora. E foi. E anil virou celeste. Todo mundo devia ter uma estrela ao seu lado...


Despedida na BR 116

Lá ao fundo, lá em cima
Lá por trás do Ipê rosado
Tem um morro verde e cinza
Por completo sombreado
E um feixe ensolarado
Com formato de Brasil
Ou será que é da Bahia?
Olho de novo. Sumiu...

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